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Touril, Alentejo salgado e intemporal

  • Foto do escritor: Vanda Paulino
    Vanda Paulino
  • 19 de jul. de 2021
  • 2 min de leitura

6h30. Mesmo quando o corpo pede descanso, a mente, desassossegada, desperta. O som do chilrear dos pássaros sobrepõe se à profunda respiração do R. Mesmo na penumbra consigo contemplar a cabeceira da cama. Recorda-me um favo de mel. Ou talvez seja apenas a fome a apoderar-se do meu pensamento. Mantenho-me imóvel na esperança de adormecer. Respiro, como faço nas aulas de yoga, mas não abrando a ponto de me entregar ao sono. A cama, confortável, convida-me a permanecer e na pouca claridade que irrompe pelas brechas das portadas contemplo o espaço. Gosto deste conceito de pequenas casas. Espaços minimalistas pensados ao pormenor. A lâmpada articulada fascina-me. Tanto ilumina um prato de comida na cozinha, como um bom livro, apreciado no sofá da sala. Os pássaros continuam a cantar. Apesar da ameaça de chuva iminente, mantêm uma felicidade imensa. Eles, melhor que nós, conhecem a essência da palavra vida. Na cadeira de madeira revejo a minha avó a fazer crochet. Talvez seja o formato da mesma, ou a posição, o facto é que recapitulo memórias passadas. Vejo novamente as horas. 8h30. Agora zurra o burro. Só falta ouvir as cabritas. O R. acorda. Diz que vai andar de bicicleta. Há muito para percorrer ao longo da herdade e também fora dela. Chegamos na véspera. Encantei-me com os sacos de verga à venda na entrada. Estou enamorada. Talvez amanhã, quando partirmos sinta o verdadeiro amor e carregue um no colo. Mergulhamos na água salgada da piscina mas sou mulher de sol e pouco vento. Retiro-me e embrulho-me na toalha. O vento do litoral não me favorece. Prefiro uma caminhada ao pôr do sol. Ao longo da herdade, campos extensos de pasto seco e no final da estrada, as escarpas. A areia. O mar. Sento-me numa pequena rocha a contemplar. O cheiro a sal, o rolhar das ondas. Agora não me faz diferença o vento. Enleia-me a alma. Regresso. Colho flores secas ao longo do caminho. Imagino os arranjos que posso fazer com elas. Talvez as misture num painel de macramé. Ou talvez conjugue macramé, flores secas e um cesto de verga. Acho que estou quase convencida a levar um. Paro. "Opuntia ficus-indica". Porque é que algo que acarreta risco tem sempre mais encanto? Para os variados sinónimos do nome técnico, serve o termo piteira. As suas flores amarelas gritam por atenção. Fotografo-as. Admiro a sua beleza na mesma proporção da dor que sinto, primeiro no braço, de seguida no pé. São dissimuladas, atraentes mas traiçoeiras. Na troca da sua beleza, oferecem-me espinhos cravados na pele. Aceleram-me o passo até casa. Preciso de retirar os espinhos rapidamente. O ardor queima. E quando chego, vislumbro a paz, a tranquilidade. Casa alentejana, de barras azuis e adornada com flores, amarelas, laranjas, roxas e rosas sabe-me a férias. 8h45. Vieram colocar o pão à porta. Volto novamente à infância. Desde então que o padeiro não deixa o saco pendurado na maçaneta da porta. O burro volta a zurrar e os pássaros continuam a chilrear. Levanto-me, abro as portadas da casa e recolho o pão. O sol ainda não despertou, mas eu anseio pelo dia. Aqui, na Herdade do Touril.


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