Ponteiro do relógio

Já não me recordo como é um dia de inverno chuvoso, gelado e ventoso... Quando era criança, por cima da minha cama, tinha um relógio feito por mim, com as 4 estações do ano desenhadas e um ponteiro de cartolina, que rodava sempre que se assinalava o equinócio ou o solstício. Se ainda tivesse esse mesmo relógio por cima da cama, já não saberia para onde apontar o ponteiro. As estações do ano agora são ambíguas. O calor, a chuva, as enxurradas, rajadas de vento e tornados são cada vez mais imprevisíveis e de proporções exacerbadas. Esta tarde, neste último dia de Fevereiro, contemplo o rio. Ouço imensos pássaros a chilrear, os malmequeres estão floridos e o sol está ameno. Pelo jardim, casais caminham de mãos dadas, outros passeiam os cachorros, outros abraçam se e beijam se apaixonadamente, outros passeiam as crianças mascaradas e alguns idosos, sentados nos bancos de madeira, conversam sobre trivialidades. Ao fundo ouve se o comboio a passar na linha de caminho de ferro. O caudal do rio está baixo. Estou de mangas arregaçadas e calço umas sapatilhas, sem meias. Diria que esta tarde em tudo se assemelha ao quarto de relógio de primavera desenhada. Uma primavera tardia quando as andorinhas fazem voos rasantes no jardim e as lagartixas descansam ao sol. Os peixes saltam dentro de água. Perante este espetáculo gratuito sinto me profundamente grata. Tenho casa, saúde (alguma) e amor, mas sobretudo estou aqui a apreciar este momento. No entanto, se pudesse fazer um pedido apenas, gostaria de ter tudo isto, mas no quarto de estação correto, quando depois de um inverno típico, as flores espetacularmente floridas convidassem as andorinhas a dançar para elas, porque nessa altura, o ponteiro de cartolina indicaria a veracidade da estação contemplada. Por enquanto, o relógio está "avariado" no tempo, esperando por um conserto, que teima em se fazer notar.