Dia Mundial da Fotografia
- Vanda Paulino
- 19 de ago. de 2021
- 2 min de leitura
Tenho centenas de fotografias impressas. Dentro de caixas, expostas em molduras dispersas pela casa ou distribuídas por álbuns. E tenho milhares de fotos guardadas em CDs, discos rígidos, pens e no telemóvel. Todas, constituem um espólio vasto, carregado de história. Espelham o passado, as mágoas, as saudades, as alegrias e as conquistas alcançadas. Não tenho presente o dia em que disparei o primeiro clique, recordo apenas que já o fazia quando a minha irmã mais nova nasceu, e também não consigo evocar qual o sentimento que me provocava essa ação, mas sei que ao fazê-lo imprimi uma vocação para a vida. Ao consumar o acto não assumo a vaidade da sua prática, a vocação na minha ótica, não representa a arte da perfeição mas a arte do sentimento. As minhas primeiras fotos, desfocadas e descentradas não eram nenhuma obra prima e muitas foram merecedoras de um confronto pouco saudável na hora de pagar o seu levantamento. Mas tudo na vida exige prática, desistir por vezes assume-se como um meio muito mais insano mas seguro e é aliciante sucumbir ao seu efeito. Mas não o fiz. Primeiro foram as cassetes, depois os rolos e muitos anos depois a era digital. Não consigo aplicar o código de felicidade para esta última, porque se permite a capacidade de armazenamento de milhares de imagens também produz uma insatisfação e insegurança tremenda no momento da visualização. A espera e a surpresa na hora de levantar as películas equilibravam o desencanto encantador de uma mão cortada ou uma cara desfocada. O apego aos momentos que nunca ficariam retratados era a compulsão do não esquecimento. Na falta de filtros, a vida era tal como a paralisávamos. Por vezes, triste, por vezes sofrida, por vezes prazerosa, por vezes grandiosa. Consolávamos a ausência de perfeição na fidelidade pelo tempo. Aquele que hoje atribuímos culpa pela velocidade da sua passagem. Captamos milhares das suas fracções numa profunda ansiedade pela sua presença. Se agora temos a compulsão para obter centenas de fotos em poucos minutos, fazêmo-lo. As férias, as festividades, os nascimentos, assim como qualquer tarefa comum desde preparar uma refeição até à escolha de um pijama para vestir, são conservadas. A leveza da escolha de um filtro aplicado constitui a luxúria do momento atual. Exprimimos a vida em fotos, por cada um de nós tem uma história para contar. Eu gosto de contar a minha. Folheio os álbuns para me relembrar de quem fui, revejo as pastas de férias passadas para me recordar de momentos felizes e continuo a fotografar. Já não tenho receio de ter um número finito de cliques, agora tenho receio da dúvida infinitesimal de qual poderá ser considerado mais sagaz. A inquietude dos tempos alterou-se, o sentimento continua o mesmo. "Escrever" uma história vivida. Da minha família, do meu percurso, das minhas paixões, dos meus medos, dos meus bloqueios, das minhas inconstâncias. Todas elas estão perfeitamente retratadas na sua imperfeição. A vida urge e por mais filtros que lhe apliquemos não existem cliques que a faça abrandar. Por isso fotografo, pelo prazer obcecado de imortalizar os segundos que nunca mais serão revividos, mas que para sempre serão eternos.

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